Difícil ser funcionário

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.
João Cabral de Melo Neto

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Ao contrário do que possa sugerir o poema, eu ando muito bem com o meu trabalho. Longe de mim contrariar João Cabral, mas eu fiz as pazes com o sistema, não me sinto mal em repartições... por enquanto.

3 comentários:

Desabafando disse...

Que bom! Tb ando muito bem com meu trabalho!

Otávio disse...

mto bom poema, ótimo para um domingo! é uma resposta a A Flor e a Náusea do Drummond, não é?

Bruna Estefani disse...

Adorei seu Blog, amei os post que li. Alguns tive preguiça de ler, mas... O que li gostei. :D

 
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