Mais "Cleo e Daniel"

[Mas não veio nada. O rosto envelhecido e sereno do pai estava dentro do copo que ele olhava, esperando a coisa vir. O que era um banco? Para que servia um banco? Por que era assim tão importante um banco, para um homem entrar lá aos quinze anos, ser aposentado aos cinqüenta e achar que o mundo é um banco cercado de desemprego por todos os lados? O que sai escrito nos jornais moderados para um homem não precisar ler livros e outros jornais mais corajosos a fim de compreender o mundo, a sociedade, a política e os outros homens? Por que o artista será sempre um marginal, um anti-social, um comunista ou um pederasta? Por que o sexo rima com gonorréia, aborto, pecado, tara e casamento na polícia? Por que todo jovem precisa comer bem, dormir muito, ter método, não se masturbar, não trepar, estudar direitinho e formar-se em direito, medicina, engenharia, arquitetura, química ou farmácia? Por que o resto não tem futuro e por que ser poeta, escritor, jornalista, pintor e ator não dá futuro e é pior que ser bancário? E, afinal, por que é preciso economizar saúde e dinheiro, por que é preciso casar no civil e no religioso, ter filhos, enxaquecas, úlceras de estômago, alergia, reumatismo, miopia, câncer e enfarte do miocárdio?]

[Daniel sentiu e compreendeu tudo o que acontecia com Cleo. POrque não havia mais Cleo. Nem Daniel. havia o beijo. O encontro, as censão e a queda. Queda que era ascensão, pois não havia mais centro, como não há centro nem periferia no universo. O curso de energia livre não tem fim. E as novas desintegrações, novas sínteses, no ritmo do infinito sendo antes e depois sem tempo, sendo aqui e agora, sem espaço.

Um beijo de adolescentes num banco de praça. Três horas da tarde. Bocas coladas, olhos fechados, mãos apertadas. Nenhum movimento na superfície. Nenhum i´ndício aparente de que havia violado o segredo da vida dentro daquele beijo.

O primeiro transeunte achou bonito e parou. Olhava o casal, mas via sua própria condição. E chegou no limite de sua solidão e insatisfações. Deixou de sentir e pensou. Parou de pensar e julgou. Julgou com a solidão e as insatisfações. E condenou.]

[Os últimos nunca sabem a verdade. Mas gritam como os primeiros e são mais cruéis.]

[O que ele quis dizer? O que Cleo está pensando? Ninguém pode saber, nem eles. É impossível compreender os sentimentos e os pensamentos que brotam e fluem nas pessoas que conhecem o amor - não o nosso, mas o inédito, o proibido o que não soubemos ou não aprendemos a sentir.]

[Cleo e Daniel simbolizavam tudo o que ele sentia sobre a espécie humana e a vida: um poder vir a ser que não virá nunca, apesar de toda a beleza que existe.]

[Daniel fazia esforços para se localizar. Depois daquele beijo na praça, tudo o que acontecera antes em sua vida era tão distante e vazio que, mesmo sendo à memória, não permanecia e não provocava novos pensamentos ou emoções. Para que lembrar então? Para que pensar? Apertava a mão de Cleo e sentia brotos de sensações novas. Olhava seu rosto e pensava muito, pensava em como era bom olhar Cleo. Pensamentos como as variações em torno de um tema único: Cleo. E uma tristeza: por que não sentiam mais, no beijo ou na relação sexual, aquela paz maravilhosa experimentada no banco da praça? Sem aquilo, as emoções e o prazer não começavam do princípio, eram colhidos já maduros, parecendo alheios. E teve uma intuição mágica:
-Vamos à praça, Cleo! Quem sabe é ela... quem sabe está ali e não em nós...]

1 comentários:

Ludi disse...

Brigada pela visita!
Beijão
Bom fim de semana

 
designed by suckmylolly.com